26/08/2008

"ÁFRICA COBAIA DO MUNDO"


Sou negra da cor da minha gente, sou bocado de terra cobiçada pelo brilho da jóia, pelo escuro do ouro branco, amarelo, ou negro, pelo lixo que importo, pelas armas que destroem, pela seca, pela sede, pela fome, pela pena. Sou o chão do selvático Globo, sou o teste da ciência, sou o interesse da dor, sou tudo e qualquer coisa mais, sou a cobaia do Mundo, sou terra de negros, sou África.

Esta terra encarnou em mim numa solidão enganadora, na poeira da “sorte” sou a paisagem das quedas de água e do imenso Mar, sou a Jamba decapitada mas ainda verde de um pulmão às cegas, sou as cubatas do colmo seco que me abriga a dor.
Tenho como inoportuna companhia o arruado do imenso lixo, a picada dos mais minúsculos e pavorosos mosquitos, que deixam as mais certeiras mensagens, da cólera, do ébola e outras terríficas doenças, enquanto as moscas depenicam o rosto da sôfrega e débil paz.
Tenho muito lodo aqui mas, a minha pior lama vem do exterior à procura do meu brilho, vem armada de coração ao rosto, não me engana mas atraiçoa a minha gente. Traz a caridade falsa numa mão e na outra o seu bastão. Traz o mel do dia, e espalha a noite do seu veneno.
O que procuram eles neste meu chão? Se não sabem eu respondo mais uma vez! Procuram Diamantes e o meu Ouro, granjeiam clientes para as suas fábricas de armas, depenam o meu solo e testam os meus “ratos” neste imenso laboratório negro, da medicina duvidosa.
E como é tão fácil fazer nascer uma guerra! Basta corromper as sombras, atiçadas em débeis cérebros, propagadas pelas necessidades de possuir algo, nem que seja um brinquedo do ódio como: uma AK-47, uma G3, uma Kalashnikov, um Lança Granadas, umas Bazucas, todas essas armas e mais algumas nas mãos de uma criança soldado, até que, já sem vida deixe de poder carregar esse pesado fardo.
Se Moçambique e Angola já o foram, tivemos Serra Leoa, agora temos Sudão, Darfur, Quénia. São inúmeros os conflitos aqui e ali que vão arrasando as minhas aldeias, enquanto queimam o meu chão.
Eu que sou este grande espaço do Planeta outrora sentia as lágrimas me humedecerem nos lamentos de tanto infortúnio. Hoje é seco esse queixume, como as minhas terras o são. Não isento os meus “filhos” de culpa alguma, são seres carentes das não vontades e são fáceis de embalar num engano da falsificada chama.
Corrompem-se na sede da veleidade, são infames como são os Dogmas da investida saída sabe-se lá de onde, talvez da aparência do baluarte, que cai num arrastar da inocência de milhões de seres, que elevam a heroicidade até ao derrame da última gota.
Sinto o peso dos vossos nadas nos meus caminhos sem fim. São as inseguranças do trajecto que vos levam até ao meu campo, mas no antes sois a caminhada longa na procura da segurança. Andarilhais de um lado para o outro perdidos da paz. Sois refugiados da vontade e dos olhos que me vêem a arder. Sofreis por vós e por mim, porque hoje sou terra de bandidos.
Das cinzas olho-vos nos olhos, recolho-vos na alma e continuo a ser África. África, paraíso da saudade, Continente da colheita roubada e da estrangulada liberdade.
Dou-vos os meus habitats, as minhas longas savanas, coloridas de um grande número de espécime animal. Sei que sou carente de muita coisa e aqui e ali dou-vos fome e sede, mas sou linda, e como eu não há. Sou África da sobrevivência, vou caindo e vou levantando, um pé ali e um braço acolá. Devia ser só paraíso, mas, sou apenas o vosso pior vício.
Direitos reservadso a Jorge Vieira Cardoso*




01/08/2008

"Um Caso"


Foto de NUNO LOBITO

Finalmente encontrei-te no cais em Matosinhos, estava farto de te procurar. Naquela manhã cinzenta olhavas os barcos sem os ver, tinha sido mais uma daquelas noites em que tu, cada vez com mais frequência, rejeitavas o verdadeiro sono.
Tanta gente comentava, que tinhas começado por pouco e agora eras um drogado em alto risco.
Perguntei eu, amigo por que te drogas? Demoraste a responder, mas acabaste dizendo. Será que tudo aquilo que fazemos tem de ter sempre um porquê? Foi a resposta mais seca e vazia que eu esperava ouvir de ti. Mas como não era eu que precisava de apoio, engoli e continuei.
Lembras-te por acaso do tempo de Escola quando um substituía o outro, para que mal algum acontecesse a nenhum de nós, e foi sempre assim, com o decorrer dos anos as aventuras e desventuras fizeram de nós amigos inseparáveis. Se recordas não vai ser agora que vamos deixar essa maldita droga criar asas e elevar-te nas alturas, para de seguida te fazer cair nessa desventura mortal.
Desculpaste-te entre lágrimas e sorriste entre soluços, içaste a muito custo o teu corpo frágil e mal alimentado daquela pedra fria onde te fui encontrar sentado. Disseste-me, obrigado pela tua preocupação e abraçaste-me. Não te disse nada naquele momento, mas falei de mim para Deus, que magro que ele está!
Levei-te a um bar para que te alimentasses, conversamos muito durante todo o dia, divertimo-nos o melhor possível, foi assim nesse dia e noutros que se seguiram. Após semanas já não parecias o mesmo: arranjaste trabalho, já tinhas melhorado a fisionomia, dizias que te ias mudar daquela Pensão imunda, já não te drogavas, enfim, a tua força, conjugada com a minha “terapia” estavam a motivar um verdadeiro milagre, em que a tua recuperação começava a ser uma realidade espantosa.
Era bom demais para ser verdade, porque de um momento para o outro deixei de saber de ti. De novo te procurei por tudo quanto era lado. Andei por sítios onde se concentravam os drogados, perguntando aqui e acolá. Também não disseste nada à dona da Pensão, as tuas coisas ainda estavam no quarto por isso não te tinhas mudado, onde raio te tinhas metido. Confesso que até na morgue te fui procurar.
Sensivelmente um mês depois, toca em minha casa o telefone, eras tu, arrastavas a voz. De repente pressenti o que estava a acontecer. Não saias daí que vou já ter contigo! Disse eu! As minhas pernas tremiam, cheguei ao quarto da dita Pensão e lá estavas tu a um canto, esperneavas-te no chão, desviei um pouco o olhar e só então reparei na agulha a teu lado disfarçada pelo pó. Fui telefonar a um médico, aguardei junto a ti, já mal mexias, ainda disseste, perdoa-me mas foi mais forte do que eu, abracei-te perdido em lágrimas que caíam dos meus olhos em cima do teu corpo para sempre adormecido. Chegou o Médico, nada veio fazer! Tinha sido uma overdose.
Meu Deus, estavas morto porquê!
Hoje digo que, infelizmente há muita gente que sabe a raiva que eu senti e ainda sinto pelos vendedores da Morte!

Passaram-se vinte anos e eu, religiosamente neste dia dezasseis de Outubro relembro esta data fatídica em que uma seringa com dose exagerada te roubou o corpo e deixou comigo bocados do teu alento.
Reabro de novo esta pequena caixa que me foi entregue há duas décadas com os teus pequenos pertences.
Entre esses pedaços de ti, existe uma página amarelada pelo tempo, rabiscada numa poesia tristonha, que me sufoca o pensamento, mas que ao mesmo tempo pacifica a tua alma num soluçar de frases que perdoam a tua fraqueza.
Nessa fraqueza que foi tua, em que essas palavras por ti garatujadas, também são a minha fragilidade consciente, abro de novo a página ao meio e releio, a dor que não mente.




Sinto-me sem forças
Só me apetece esquecer
Não há quem me ajude
Eu só quero morrer


Mas porque demora tanto
Porque me empurram
Já não tenho encanto
Só quero ficar mudo


Cada vez estou mais perto
Que grande altura
Mais um passo incerto
Que amargura



Do precipício eu me aproximo
Pouco a pouco vou caindo
Não há outro jeito
É esse o meu destino


Há gente que ri
Vai haver alguém que chora
Mas da gente que vi
Ninguém me adora


Finalmente chegou a hora
Quem estende a sua mão
Quem me empurrou outrora
Não preciso de compaixão


Já não grito
Oiço palavras
Perdeu-se no infinito
Não conteve as suas mágoas


Já avisto o vazio
Porque demoro a cair
Sinto o primeiro arrepio
Só quero é dormir

Que acabe logo de vez
E não demore a chegar ao fundo
Para parar de sofrer
Neste Mundo tão imundo


Eu sempre quis viver
Mas o vício foi mais forte
Agora não quero mais
Troco a vida pela morte


Enquanto atesto a seringa
Com esta maldita heroína
Penso em ti meu amigo
Regressar já não consigo
Perdoa a minha desgraça
Não chores na minha carcaça
Pede por mim perdão a Deus
Pede-lhe que ele me eleve aos Céus.

Eu anónimo exonero-me nestas palavras.


Dobro de novo o papel em dois e pedaços de nós repousam na gaveta do baú…
vou de férias hehehehehe...

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