Sou negra da cor da minha gente, sou bocado de terra cobiçada pelo brilho da jóia, pelo escuro do ouro branco, amarelo, ou negro, pelo lixo que importo, pelas armas que destroem, pela seca, pela sede, pela fome, pela pena. Sou o chão do selvático Globo, sou o teste da ciência, sou o interesse da dor, sou tudo e qualquer coisa mais, sou a cobaia do Mundo, sou terra de negros, sou África.
Esta terra encarnou em mim numa solidão enganadora, na poeira da “sorte” sou a paisagem das quedas de água e do imenso Mar, sou a Jamba decapitada mas ainda verde de um pulmão às cegas, sou as cubatas do colmo seco que me abriga a dor.
Tenho como inoportuna companhia o arruado do imenso lixo, a picada dos mais minúsculos e pavorosos mosquitos, que deixam as mais certeiras mensagens, da cólera, do ébola e outras terríficas doenças, enquanto as moscas depenicam o rosto da sôfrega e débil paz.
Tenho muito lodo aqui mas, a minha pior lama vem do exterior à procura do meu brilho, vem armada de coração ao rosto, não me engana mas atraiçoa a minha gente. Traz a caridade falsa numa mão e na outra o seu bastão. Traz o mel do dia, e espalha a noite do seu veneno.
O que procuram eles neste meu chão? Se não sabem eu respondo mais uma vez! Procuram Diamantes e o meu Ouro, granjeiam clientes para as suas fábricas de armas, depenam o meu solo e testam os meus “ratos” neste imenso laboratório negro, da medicina duvidosa.
E como é tão fácil fazer nascer uma guerra! Basta corromper as sombras, atiçadas em débeis cérebros, propagadas pelas necessidades de possuir algo, nem que seja um brinquedo do ódio como: uma AK-47, uma G3, uma Kalashnikov, um Lança Granadas, umas Bazucas, todas essas armas e mais algumas nas mãos de uma criança soldado, até que, já sem vida deixe de poder carregar esse pesado fardo.
Se Moçambique e Angola já o foram, tivemos Serra Leoa, agora temos Sudão, Darfur, Quénia. São inúmeros os conflitos aqui e ali que vão arrasando as minhas aldeias, enquanto queimam o meu chão.
Eu que sou este grande espaço do Planeta outrora sentia as lágrimas me humedecerem nos lamentos de tanto infortúnio. Hoje é seco esse queixume, como as minhas terras o são. Não isento os meus “filhos” de culpa alguma, são seres carentes das não vontades e são fáceis de embalar num engano da falsificada chama.
Corrompem-se na sede da veleidade, são infames como são os Dogmas da investida saída sabe-se lá de onde, talvez da aparência do baluarte, que cai num arrastar da inocência de milhões de seres, que elevam a heroicidade até ao derrame da última gota.
Sinto o peso dos vossos nadas nos meus caminhos sem fim. São as inseguranças do trajecto que vos levam até ao meu campo, mas no antes sois a caminhada longa na procura da segurança. Andarilhais de um lado para o outro perdidos da paz. Sois refugiados da vontade e dos olhos que me vêem a arder. Sofreis por vós e por mim, porque hoje sou terra de bandidos.
Das cinzas olho-vos nos olhos, recolho-vos na alma e continuo a ser África. África, paraíso da saudade, Continente da colheita roubada e da estrangulada liberdade.
Dou-vos os meus habitats, as minhas longas savanas, coloridas de um grande número de espécime animal. Sei que sou carente de muita coisa e aqui e ali dou-vos fome e sede, mas sou linda, e como eu não há. Sou África da sobrevivência, vou caindo e vou levantando, um pé ali e um braço acolá. Devia ser só paraíso, mas, sou apenas o vosso pior vício.
Direitos reservadso a Jorge Vieira Cardoso*