Foto de NUNO LOBITO
Finalmente encontrei-te no cais em Matosinhos, estava farto de te procurar. Naquela manhã cinzenta olhavas os barcos sem os ver, tinha sido mais uma daquelas noites em que tu, cada vez com mais frequência, rejeitavas o verdadeiro sono.
Tanta gente comentava, que tinhas começado por pouco e agora eras um drogado em alto risco.
Perguntei eu, amigo por que te drogas? Demoraste a responder, mas acabaste dizendo. Será que tudo aquilo que fazemos tem de ter sempre um porquê? Foi a resposta mais seca e vazia que eu esperava ouvir de ti. Mas como não era eu que precisava de apoio, engoli e continuei.
Lembras-te por acaso do tempo de Escola quando um substituía o outro, para que mal algum acontecesse a nenhum de nós, e foi sempre assim, com o decorrer dos anos as aventuras e desventuras fizeram de nós amigos inseparáveis. Se recordas não vai ser agora que vamos deixar essa maldita droga criar asas e elevar-te nas alturas, para de seguida te fazer cair nessa desventura mortal.
Desculpaste-te entre lágrimas e sorriste entre soluços, içaste a muito custo o teu corpo frágil e mal alimentado daquela pedra fria onde te fui encontrar sentado. Disseste-me, obrigado pela tua preocupação e abraçaste-me. Não te disse nada naquele momento, mas falei de mim para Deus, que magro que ele está!
Levei-te a um bar para que te alimentasses, conversamos muito durante todo o dia, divertimo-nos o melhor possível, foi assim nesse dia e noutros que se seguiram. Após semanas já não parecias o mesmo: arranjaste trabalho, já tinhas melhorado a fisionomia, dizias que te ias mudar daquela Pensão imunda, já não te drogavas, enfim, a tua força, conjugada com a minha “terapia” estavam a motivar um verdadeiro milagre, em que a tua recuperação começava a ser uma realidade espantosa.
Era bom demais para ser verdade, porque de um momento para o outro deixei de saber de ti. De novo te procurei por tudo quanto era lado. Andei por sítios onde se concentravam os drogados, perguntando aqui e acolá. Também não disseste nada à dona da Pensão, as tuas coisas ainda estavam no quarto por isso não te tinhas mudado, onde raio te tinhas metido. Confesso que até na morgue te fui procurar.
Sensivelmente um mês depois, toca em minha casa o telefone, eras tu, arrastavas a voz. De repente pressenti o que estava a acontecer. Não saias daí que vou já ter contigo! Disse eu! As minhas pernas tremiam, cheguei ao quarto da dita Pensão e lá estavas tu a um canto, esperneavas-te no chão, desviei um pouco o olhar e só então reparei na agulha a teu lado disfarçada pelo pó. Fui telefonar a um médico, aguardei junto a ti, já mal mexias, ainda disseste, perdoa-me mas foi mais forte do que eu, abracei-te perdido em lágrimas que caíam dos meus olhos em cima do teu corpo para sempre adormecido. Chegou o Médico, nada veio fazer! Tinha sido uma overdose.
Meu Deus, estavas morto porquê!
Hoje digo que, infelizmente há muita gente que sabe a raiva que eu senti e ainda sinto pelos vendedores da Morte!
Passaram-se vinte anos e eu, religiosamente neste dia dezasseis de Outubro relembro esta data fatídica em que uma seringa com dose exagerada te roubou o corpo e deixou comigo bocados do teu alento.
Reabro de novo esta pequena caixa que me foi entregue há duas décadas com os teus pequenos pertences.
Entre esses pedaços de ti, existe uma página amarelada pelo tempo, rabiscada numa poesia tristonha, que me sufoca o pensamento, mas que ao mesmo tempo pacifica a tua alma num soluçar de frases que perdoam a tua fraqueza.
Nessa fraqueza que foi tua, em que essas palavras por ti garatujadas, também são a minha fragilidade consciente, abro de novo a página ao meio e releio, a dor que não mente.
Sinto-me sem forças
Só me apetece esquecer
Não há quem me ajude
Eu só quero morrer
Mas porque demora tanto
Porque me empurram
Já não tenho encanto
Só quero ficar mudo
Cada vez estou mais perto
Que grande altura
Mais um passo incerto
Que amargura
Do precipício eu me aproximo
Pouco a pouco vou caindo
Não há outro jeito
É esse o meu destino
Há gente que ri
Vai haver alguém que chora
Mas da gente que vi
Ninguém me adora
Finalmente chegou a hora
Quem estende a sua mão
Quem me empurrou outrora
Não preciso de compaixão
Já não grito
Oiço palavras
Perdeu-se no infinito
Não conteve as suas mágoas
Já avisto o vazio
Porque demoro a cair
Sinto o primeiro arrepio
Só quero é dormir
Que acabe logo de vez
E não demore a chegar ao fundo
Para parar de sofrer
Neste Mundo tão imundo
Eu sempre quis viver
Mas o vício foi mais forte
Agora não quero mais
Troco a vida pela morte
Enquanto atesto a seringa
Com esta maldita heroína
Penso em ti meu amigo
Regressar já não consigo
Perdoa a minha desgraça
Não chores na minha carcaça
Pede por mim perdão a Deus
Pede-lhe que ele me eleve aos Céus.
Eu anónimo exonero-me nestas palavras.
Dobro de novo o papel em dois e pedaços de nós repousam na gaveta do baú…
Finalmente encontrei-te no cais em Matosinhos, estava farto de te procurar. Naquela manhã cinzenta olhavas os barcos sem os ver, tinha sido mais uma daquelas noites em que tu, cada vez com mais frequência, rejeitavas o verdadeiro sono.
Tanta gente comentava, que tinhas começado por pouco e agora eras um drogado em alto risco.
Perguntei eu, amigo por que te drogas? Demoraste a responder, mas acabaste dizendo. Será que tudo aquilo que fazemos tem de ter sempre um porquê? Foi a resposta mais seca e vazia que eu esperava ouvir de ti. Mas como não era eu que precisava de apoio, engoli e continuei.
Lembras-te por acaso do tempo de Escola quando um substituía o outro, para que mal algum acontecesse a nenhum de nós, e foi sempre assim, com o decorrer dos anos as aventuras e desventuras fizeram de nós amigos inseparáveis. Se recordas não vai ser agora que vamos deixar essa maldita droga criar asas e elevar-te nas alturas, para de seguida te fazer cair nessa desventura mortal.
Desculpaste-te entre lágrimas e sorriste entre soluços, içaste a muito custo o teu corpo frágil e mal alimentado daquela pedra fria onde te fui encontrar sentado. Disseste-me, obrigado pela tua preocupação e abraçaste-me. Não te disse nada naquele momento, mas falei de mim para Deus, que magro que ele está!
Levei-te a um bar para que te alimentasses, conversamos muito durante todo o dia, divertimo-nos o melhor possível, foi assim nesse dia e noutros que se seguiram. Após semanas já não parecias o mesmo: arranjaste trabalho, já tinhas melhorado a fisionomia, dizias que te ias mudar daquela Pensão imunda, já não te drogavas, enfim, a tua força, conjugada com a minha “terapia” estavam a motivar um verdadeiro milagre, em que a tua recuperação começava a ser uma realidade espantosa.
Era bom demais para ser verdade, porque de um momento para o outro deixei de saber de ti. De novo te procurei por tudo quanto era lado. Andei por sítios onde se concentravam os drogados, perguntando aqui e acolá. Também não disseste nada à dona da Pensão, as tuas coisas ainda estavam no quarto por isso não te tinhas mudado, onde raio te tinhas metido. Confesso que até na morgue te fui procurar.
Sensivelmente um mês depois, toca em minha casa o telefone, eras tu, arrastavas a voz. De repente pressenti o que estava a acontecer. Não saias daí que vou já ter contigo! Disse eu! As minhas pernas tremiam, cheguei ao quarto da dita Pensão e lá estavas tu a um canto, esperneavas-te no chão, desviei um pouco o olhar e só então reparei na agulha a teu lado disfarçada pelo pó. Fui telefonar a um médico, aguardei junto a ti, já mal mexias, ainda disseste, perdoa-me mas foi mais forte do que eu, abracei-te perdido em lágrimas que caíam dos meus olhos em cima do teu corpo para sempre adormecido. Chegou o Médico, nada veio fazer! Tinha sido uma overdose.
Meu Deus, estavas morto porquê!
Hoje digo que, infelizmente há muita gente que sabe a raiva que eu senti e ainda sinto pelos vendedores da Morte!
Passaram-se vinte anos e eu, religiosamente neste dia dezasseis de Outubro relembro esta data fatídica em que uma seringa com dose exagerada te roubou o corpo e deixou comigo bocados do teu alento.
Reabro de novo esta pequena caixa que me foi entregue há duas décadas com os teus pequenos pertences.
Entre esses pedaços de ti, existe uma página amarelada pelo tempo, rabiscada numa poesia tristonha, que me sufoca o pensamento, mas que ao mesmo tempo pacifica a tua alma num soluçar de frases que perdoam a tua fraqueza.
Nessa fraqueza que foi tua, em que essas palavras por ti garatujadas, também são a minha fragilidade consciente, abro de novo a página ao meio e releio, a dor que não mente.
Sinto-me sem forças
Só me apetece esquecer
Não há quem me ajude
Eu só quero morrer
Mas porque demora tanto
Porque me empurram
Já não tenho encanto
Só quero ficar mudo
Cada vez estou mais perto
Que grande altura
Mais um passo incerto
Que amargura
Do precipício eu me aproximo
Pouco a pouco vou caindo
Não há outro jeito
É esse o meu destino
Há gente que ri
Vai haver alguém que chora
Mas da gente que vi
Ninguém me adora
Finalmente chegou a hora
Quem estende a sua mão
Quem me empurrou outrora
Não preciso de compaixão
Já não grito
Oiço palavras
Perdeu-se no infinito
Não conteve as suas mágoas
Já avisto o vazio
Porque demoro a cair
Sinto o primeiro arrepio
Só quero é dormir
Que acabe logo de vez
E não demore a chegar ao fundo
Para parar de sofrer
Neste Mundo tão imundo
Eu sempre quis viver
Mas o vício foi mais forte
Agora não quero mais
Troco a vida pela morte
Enquanto atesto a seringa
Com esta maldita heroína
Penso em ti meu amigo
Regressar já não consigo
Perdoa a minha desgraça
Não chores na minha carcaça
Pede por mim perdão a Deus
Pede-lhe que ele me eleve aos Céus.
Eu anónimo exonero-me nestas palavras.
Dobro de novo o papel em dois e pedaços de nós repousam na gaveta do baú…
vou de férias hehehehehe...
25 comentários:
boas férias menino crescido.
de vida atribulada ainda te sigo os passos.
saudade *
Retrato fiel de um "Caso" que deixa sequelas na alma de quem vive e de quem ve...
Quero voltar a ler, desta vez em silencio e sem lagrimas em mim!
Beijo terno
Fez-me chorar ....
É um texto demasiado forte. É real.
Voltarei para o reler ...
Xi-coração
bonito demais...:O..
um beijo
Olá Jorge,
Fiquei arrepiado, absorto, pois essa é outra das "Viagens"....
mas sem retorno, sem o aconchego de quem eventualmente nos espera, ou simplesmente o nosso próprio ser que vai e vem nas caminhadas da vida.
Estás, num caminho, que eu acho importante, a divulgação , o alerta , para muitas e variadas situações que se vive hoje ... a escrita é uma grande "arma" e catalisador para que as mentes fechadas e perversas , se abram e se deixem tocar pela compaixão, pelo menos.
Eu passei na realidade , um, caso não tão trágico assim, mas , foi complicado , embora com um final feliz.
Agora Jorge, para mim, os amigos são pérolas incontestavelmente sem preço....
«Perguntei eu, amigo por que te drogas? Demoraste a responder, mas acabaste dizendo. Será que tudo aquilo que fazemos tem de ter sempre um porquê? »
Como entendo essa resposta.
Nem tudo tem explicação...
bom amigo deixo-te um grande abraço
umas óptimas férias
cá te esperamos com maias desta "música" em palavras "tocada"
abraço
Gostei ler-te...
boas férias!!
beijinho
Só a foto me cativou e o texto acabou por me fascinar. ^^'
Beijinho e boas férias. :"]
Amigo,
Tristes fatos que me levaram as lágrimas...
Quanto a ti, amigo querido, desejo-lhe uma excelente férias.
Grande e carinhoso beijo
merecidas férias.
do homem. do amigo.
nunca do poeta!
este é tão célere quão rico na sua dança com as musas!
Destas tristes realidades que o mundo está cheio,
Espero sinceramente que esta seja ficção,
Sabendo bem que o poderá ser para ti,
Sei também que, para outros não!
Boas férias e um abraço, continua assim!
uma dura realidade...
beijo da ci
Cardoso,
Perdoa, mas está fabuloso.
Amei teu texto...
Li-o vezes sem conta, senti-o em cada picada que ele dava...senti-o por ti, em ti.
Adorei!
Beijo doce...e sincero
meu Deus, que texto emocionante. sinto um aperto no peito, vontade dee chorar, foi muito, muito forte... fico sem palavras.
penso em encená-lo, me permites?
beijos
obrigado a todos de coração!!!
Amizade (:
Excelente post de uma realidade dura...
Confesso que senti as lágrimas nos olhos ao lê-lo e a imaginar essas vidas perdidas...
Beijo grande e boas férias
real ou nao, é forte, mt forte.
realidade q me é comum...que me chora a alma.
kiss
«Passaram-se vinte anos e eu, religiosamente neste dia dezasseis de Outubro relembro esta data fatídica em que uma seringa com dose exagerada te roubou o corpo e deixou comigo bocados do teu alento.»
Que estranha forma de vida....
Perdi alguns amigos nesse "universo" das drogas. Outros..., melhor "fado" não terão.
Abraço.
PS: Obrigado pela visita
Muitos se perdem na caminhada e nos deixa, não só penalizados, como um certo sentimento de culpa, por não percebermos cedo, o quanto aquela pessoa tão próxima, precisa de ajuda. Diante de versos tão tristes, percebe-se a grande solidão e amargura contida. Infelizmente, não é um caso isolado, mas apenas um em meio a tantos.
Bom fim de semana! Beijos
um ótimo fim de semana para você também!!
beijos!
: )
Resta desejar boas férias. Foi um prazer descobrir este recanto.
Boa semana.
Hola, mil gracias por tu visita y tu comentario. Tu espacio esta lleno de mucha agua fresca para el alma sedienta.
Un abrazo,
Víctor
Hola, gracias por tu visita y tu comentario. Tu espacio está lleno de agua fresca para el alma sedienta.
Un abrazo,
Víctor
Regressei de férias, e passei por cá para deixar um beijinho!
Vejo que continua postado um dos unicos textos que me fez as lágrimas cairem !!!
Espero que esteja a ter umas óptimas férias e pronto postar textos mais positivos!!
Xi-coração
E forte sim, mas é real!
É de chorar pedindo perdão!
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